Arquibancada raiz é um ‘estádio’ de espírito
No momento em que cruzei a cidade na tarde de quarta-feira só para trocar três garrafas pet, uma de refri e outras de suco, por um pedaço de papel que deu direito a um ingresso, ainda não havia entendido bem o motivo de tanto esforço. Encarar 30 e poucos graus para ir a um jogo entre um time que nem Série D vai jogar este ano, contra outro que joga a Série C. Sem jantar, ir a um estádio que, com razão, é difícil convencer alguém que é confortável, para ver... “qual é o jogo que vai ter aí?”, pergunta o rapaz, de carro, de passagem, quase em frente ao Morenão.
“Operário e Cuiabá, Copa Verde”, responde o pai, a mãe, e o filho, aparência de uns dez anos. “Palmeiras e Corinthians”, brinca o outro torcedor do outro lado da calçada. A poucos metros de trocar o meu tíquete pelo ingresso, e encarar uma pequena fila, começo a compreender o que trouxe a mim, e quase duas mil pessoas para ver um jogo de futebol...raiz.
Hora de subir a rampa e escada que dão acesso às arquibancadas. Pipoca com queijo, criançada a apostar corrida, torcida. E, com cinco minutos de atraso, começa o jogo.
Dentro de campo, a partida não desenrola. Operário martela, martela, mas nada de quebrar a parede armada pelo time cuiabano. Poucos chutes a gol, muitas faltas do lado visitante. “Seu comedor de maxixe!”, provoca o torcedor de Campo Grande. Bairrismo em campo. Achei engraçado. Penso se o jogo fosse em Cuiabá. Rolaria um “seu comedor de sobá!?”.
Torcida é sempre um farto material para estudos sociológicos, antropológicos. E, no caso do Operário, o time consegue ter dois grupos de torcedores organizados. Um em cada ponta da parte da arquibancada liberada para o público. Como raras vezes rola uma sintonia, você tem o luxo de ter um jogo com dois ambientes musicais. Coisa de time grande. Vai dizer o contrário. Eu não ouso. “77 é nosso, 87 também”, cantam os alvinegros.
E, vem o segundo tempo. O Cuiabá vai mais à frente, quer cantar de Galo no terreiro campo-grandense. Mais de um pensa o pior. Uns trinta, talvez. Eis, que aos 31 minutos, Alan deixou de ser apenas um nome entre tantos na lista de jogadores do técnico Celso Rodrigues.
O lateral esquerdo, perto da grande área, chutou e foi feliz. Atrás de mim, pai e filho comemoram. O guri, abraçado, junta-se ao coro “ôôô, vai para cima deles, Galo!”. Mais de um pergunta, “falta quanto para acabar”, outro já mudou de ideia, “’vamo’ ganhar esse jogo”.
Com os visitantes na intenção de frustrar os resistentes torcedores, os minutos a serem percorridos até o fim do jogo parecem intermináveis. Já estou do lado de fora do Morenão quando escuto aquela clássica manifestação de alegria após o apito final do juiz.
Semana que vem, o jogo é lá, no Mato Grosso. A caminho do carro, pergunto ao senhor do lado, e aí será que o time aguenta em Cuiabá? “Não sei, lá vai ser difícil. O nosso parece que falta um pouco de físico. Montar time em cima da hora é complicado”, analisou o cauteloso torcedor.
Pelo menos na noite desta quarta-feira, dia 7,, a opinião dele certamente foi o da minoria na multidão preta e branca. “O campeão voltou, o campeão voltou”, cantaram lá dentro. Eu? Não ouso discordar. Por pelo menos umas horas, deixem o povo ser feliz. Não tenho...razão?
Abraços