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Era Nuzman no esporte chega ao fim depois de 45 anos

Uma era chega ao fim. Carlos Arthur Nuzman foi preso na manhã de hoje, na continuação da “Operação Unfair Play”. A agora chamada “Unfair Play Segundo Tempo” prendeu também o braço direito do mandatário do COB, Leonardo Gryner. Ambos em prisão temporária. E realizou ação de busca e apreensão na casa e no escritório de André Richer, vice-presidente do COB. O envolvimento dos dirigentes na compra dos votos que definiram o Rio como sede das Olipíadas de 2016 é a razão.

Policiais na casa de Carlos Arthur Nuzman, no Rio - Internet/Reprodução

Foi também em uma quinta-feira que Carlos Arthur Nuzman iniciou o ciclo que parece se encerrar na manhã de hoje. Ás 18 horas do dia 18 de janeiro de 1973, abria sua carreira de dirigente esportivo ao tomar posse da presidência da Federação Metropolitana de Vôlei do Rio de Janeiro, a atual Federação Carioca.

Na sede da Rua México, coração da cidade, deu o primeiro passo da caminhada, percorrida em 45 anos entre os 75 de vida e que fez o até aqui todo poderoso chegar até o dia de hoje, preso logo ao amanhecer em sua mansão do Jardim Pernambuco, parte mais nobre do nobre bairro do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro.

Cartola por vocação e ambição, passou a maior parte dos seus dias tendo como ocupação principal a gestão de entidades do esporte brasileiro e sem que se soubesse bem ao certo de onde vinha a fonte de renda que proporcionava um altíssimo padrão de vida. Três anos comandando o vôlei carioca (de 1972 a 1975), vinte (entre 1975 e 1995) diante da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) e mais os 22 entre 1995 até aqui no comando do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

Autoritário, centralizador e com recorrente fama de destemperado com seus comandados, acumulou também com a presidência do COB o posto de número um do Comitê Organizador do Pan de 2007 e depois do Comitê Rio-2016. Esses mesmos caminhos que o fizeram conhecer fama, poder e riqueza e agora o levam até a prisão.

Advogado de formação, sempre se articulando para estar no poder, chegou a formar na direção da Ordem dos Advogados do Brasil ao compor a Chapa Azul que venceu as eleições em novembro de 1970. Foi jogador de vôlei nas décadas de 60 e 70, chegando a se destacar e defender a seleção Brasileira nas Olimpíadas de Tóquio, 1964, ficando em sétimo lugar. Jogou dois campeonatos mundiais, Moscou e Praga, e em 1963 foi bronze no Mundial Universitário, em Porto Alegre.

Em 1965, foi campeão no Mundial Israelita, em Israel.

Jogou no CIB, Fluminense, AABB e foi no último time da carreira, o Botafogo, que teve o período mais vitorioso dentro das quadras dominando o vôlei carioca e brasileiro de então.

Em 1972, aos 30 anos, avisou que estava deixando as quadras. Para ingressar na estrada que o trouxe até o dia de hoje, preso pelas ações como dirigente. Candidatou-se a presidente da então Federação Metropolitana de Vôlei, a federação carioca de hoje e venceu, ficando até 1975.

Um ano antes, em abril de 1974, já mostrava alguns dos traços que iriam marcar sua trajetória de dirigente. Aproveitou o campeonato brasileiro disputado na Bahia para buscar apoio para as eleições da CBV. Em paralelo, lançava aquele que seria um dos pilares desses 45 anos como dirigente. Causa principal de sua glória e agora de sua ruína: apoiar-se em governos para captação de dinheiro.

Momento em que Nuzman é conduzido da sua residência após a prisão - Reprodução/TV Globo

Em plena ditadura, conseguiu apoio explícito do Ministério da Educação e Cultura (MEC), pasta que então abrigava confederações e entidades do esporte. Suas promessas aos demais presidentes de federação de realização de campeonatos, intercâmbio, viagens e verba, tinha o respaldo no Estado: “Nuzman contará com todo apoio financeiro do governo através da Força Tarefa do MEC”, afirma o Jornal do Brasil de 17/12/74.

A articulação com o estado que iria o caracterizar estava expressa no apoio explícito ao candidato do Rio, formalizado no dia da eleição, em 18 de janeiro de 1975 através do ministro Nei Braga, do MEC.

E outra marca que o acompanharia ficava clara desde então: o apoio incondicional e acrítico da maior parte da imprensa nacional, que iniciava naquele verão de 1975 os quarenta e dois anos mais chapa-branca no cortejo a um dirigente esportivo, salvo raras exceções. A propalada modernidade do novo mandatário cegava a busca da transparência e enchia as páginas de jornal de adjetivos em torno de Carlos Arthur Nuzman.

Por 12 votos a 8 tomou o poder na CBV. Da mesma forma como antes, já lançando as bases para o próximo passo. Com os trunfos de sempre: o apoio do estado e da imprensa. E as articulações para aumento de arrecadação e autonomia na gestão dessa verba.

No mesmo dia em que é eleito, já fala no “Plano de Reforma do Esporte”, com total apoio de Nei Braga, militar de formação e com longos serviços prestados a ditadura militar. Foi na posse, um mês depois, que já apresentou como diretor aquele que, vinte anos depois, viria a ser seu sucessor: Ary Graça Filho.

No pouco tempo que sobrava do mandato, praticamente exercido em tempo integral, aparecia uma outra característica que agora também fica marcante: estar sempre perto de rumorosas companhias.

Nos anos 80, Nuzman foi advogado da Mazza Corretora, de Laerte Mazza. Conhecido doleiro da cidade, que se notabilizou por ter enviado milhões de dólares roubados por Jorgina de Freitas, fraudadora do INSS. Jairo Kullmann, então superintendente da Polícia Federal, afirmou então que, atuando como doleiro, “Mazza ficou rico com dinheiro do INSS”.

Mas não foi só com Mazza que Nuzman atuou. O cartola foi também responsável por cuidar de boa parte do patrimônio da fraudadora, que chegou a ter 60 imóveis. Foragida, vivendo na Costa Rica, a criminosa seguia ganhando dinheiro com o aluguel do fruto dos crimes. De acordo com O Globo de 30/10/97, a “Adican Administração de Imóveis Ltda recebia o aluguel de vários imóveis da fraudadora”.

A Adican é de Carlos Arthur Nuzman. (Administradora de Imóveis Carlos Arthur Nuzman).

Existem dois CNPJs para empresa de nome Adican. Um deles, de 1970, para “corretagem no aluguel de imóveis”. O outro, de 1998, para “serviços de agronomia e de consultoria às atividades agrícolas e pecuárias”. Em ambas, não aparece o sócio pessoa física.

Mas em checagem com a Abadi (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis), foi possível chegar ao proprietário da Adican: Carlos Arthur Nuzman. No título de cidadão carioca recebido por Nuzman em 2002 por iniciativa da então vereadora Patrícia Amorim, a sociedade na Adican também está entre os itens do currículo de Nuzman.

E o mesmo endereço, na rua Almirante Barroso, que consta para a Adican (que tem as mesmas iniciais de Administradora de Imóveis Carlos Arthur Nuzman) na Abadi, é também a direção onde constam outras duas empresas: a Mapel Produções e Criações Culturais e a Eterna Produções Artísticas.

A Mapel aparece na Receita Federal como de Márcia Peltier (ex-mulher de Nuzman) e duas filhas, Anna Rita e Anna Clara. E a Eterna Produções, também de Márcia Peltier e Anna Clara.

Candidato desde o primeiro dia do mandato na CBV ao COB, teve 20 anos para amadurecer ainda mais suas crenças e reafirmar o modus operandi apoiado em verba do estado e autonomia no uso, amparado pelo entusiasmo de sempre da imprensa e falta de transparência.

É na CBV ainda que lança outras bases que depois seriam estabelecidas no COB: em 1978, quando a Secretaria de Educação Física e Desportos do MEC toma o lugar do Conselho Nacional de Desporto (CND) na gestão de verbas, transformando o antigo em órgão apenas normativo, lança duas ideias que iriam marcar sua gestão no COB. Porcentagem da loteria esportiva (que depois seria base da fartura com a Lei Piva) e, no lugar das então passagens recebidas por confederações, o dinheiro delas, com o argumento de que poderiam conseguir tarifas melhores.

Vinte anos depois de comandar o vôlei brasileiro e do salto técnico e de arrecadação no qual esteve à frente, sobe mais um degrau, para os quais plantara as bases desde aqueles dias em que articulava com o Ministro do MEC. Eleito para o COB em 1995, promete que o Brasil se tornaria potência olímpica em 8 anos. E vai implementando aquilo que lutou: três anos depois da eleição, passa a ter como agência de marketing exclusiva a LG Ventura, de Leonardo Gryner e então Carlos Roberto Osório.

Leonardo Gryner, na manhã de hoje - Renato Souza/TV Globo

Em 2004, dá mais um passo ambicioso: conquista o direito de sediar o Pan de 2007 e cria uma nova agência, a Olympo Marketing. Gryner deixa a LG, tocada pela mulher, Adriana Gryner e assume a Olympo. O Pan é cercado de controvérsias quanto a transparência. Logo após o Pan, o Tribunal de Contas do Município do Rio identificou, entre outros casos, um aumento não explicado de gastos relativos às transmissões dos jogos de R$ 33 milhões para R$ 95 milhões, verba administrada pela Olympo, entre outras coisas.

Nada que o impedisse de seguir na candidatura do Rio para 2016. No caminho eleitoral, em 2009, secundado por Sérgio Cabral, Eduardo Paes e Lula, atacam o voto sempre em bloco do continente africano, com os 16 membros que podem garantir a vitória fundamental na primeira ronda. Através de documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo mostrou detalhes desta ofensiva de Nuzman ao voto africano na reta final da eleição.

Depois da vitória de 2 de outubro de 2009, explode o caso de suborno, relatado pelo Ministério Público da França. No dia 29 de setembro de 2009, o senegalês Lamine Diack utilizou a conta do filho, Papa Diack, para receber U$ 1,5 milhão, depositados por Arthur Soares, o Rei Arthur, empresário ligado a Sérgio Cabral. Três dias depois, o membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) e então presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), exercia seu voto a favor da candidatura do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016.

Nuzman durante os Jogos Olímpicos do Rio - COB/Divulgação

No dia 5 de setembro, a “Operação Unfair Play” bate na casa de Nuzman. Na medida cautelar assinada pelo Juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal, Nuzman é apontado pela Força Tarefa do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro como uma das “pontas de um esquema criminoso”, com determinação de apreensão de passaporte e chamado a depor na Polícia Federal.

Em diversas reportagens, a Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo mostrou a presença da chamada “República de Mangaratiba”, dos amigos de Sérgio Cabral, abundantemente contemplados em contratos como fornecedores do Comitê Rio-2016, alguns deles com objetos bem parecidos. Jacob Barata, o Rei do Ônibus, também ganhou diversos contratos olímpicos.

A ação na casa e escritório de André Richer visa a apreensão de documentos. Como reportagem da Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo mostrou em 15 de setembro, de 2005 para cá, quando Nuzman parou de assinar todos os acordos celebrados entre COB e Ministério do Esporte, que tiveram a assinatura de André Richer, 87 anos, vice-presidente do COB.

Este último que assinou sempre na qualidade de presidente em exercício. Dessa forma, Nuzman deu um drible na lei. Mais do que isso: ficou fora do alcance dela. A norma em questão é a “Lei de Improbidade Administrativa” (8.429/92).

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